Friday, April 4, 2014

Um desabafo sobre vestir e não vestir.

Eu sei que isso não tem muito a ver com a proposta do blog, mas no final das contas esse também é o lugar onde eu falo sobre os temas recorrentes na minha vida, como já falei sobre assexualidade.

Estamos vivendo um movimento na internet que tem base em uma pesquisa muito manipulada feita pelo IPEA, que diz que "em torno de 65% das pessoas do país acredita que uma mulher de roupas curtas merece ser estuprada". Vocês podem ver mais sobre isso nesse link. E eu de certa forma me sinto incomodada quando as coisas envolvem o que eu visto ou deixo de vestir, vez que a moda é parte extremamente importante na minha vida e eu gosto de ter liberdade pra fazer minha arte do meu jeito.

Não vou dizer que machismo não existe - seria, inclusive, machismo da minha parte afirmar algo do tipo - e nem vou dizer que os homens são opressores e todos deviam morrer nem nada disso. Sou assex, não tenho vontade de me casar, não pretendo ter filhos, mas ainda preciso de alguns homens na minha vida. Meu pai, apesar de cultivar - tal como meus irmãos cultivam e meus avôs cultivavam - uma visão machista do mundo, me criou com muito amor e nunca me menosprezou por ser mulher. Sempre acreditou na minha capacidade, sempre me incentivou a não abaixar a cabeça na frente de ninguém. Sempre me disse para nunca desistir dos meus sonhos por causa dos outros. Como pai ciumento, acredito que ele tenha ficado um tanto feliz de ouvir que não desejo me entregar a nenhum homem de forma alguma. Mas minha mãe ainda cultiva dentro dela a ideia de que só vou "sair de casa" depois que me casar, e por isso fica extremamente frustrada em relação aos meus planos de morar com uma amiga em breve.

Sempre ouvi "você vai mudar de ideia quando crescer", quando dizia aos 10 anos que não queria ter filhos, apenas gatos, e se tivesse algum dia seriam filhos adotivos. Hoje, aos 20, digo que continuo acreditando que não nasci pra parir. E agora digo com mais certeza ainda, pois mesmo se eu por acaso decidisse tentar, minhas chances de conseguir seriam pequenas devido a ovários policísticos.

Sou apaixonada por moda desde que assisti pela televisão o desfile da coleção de inverno de 2000/2001 da Chanel, e desde que comecei a amar esse mundo meus gostos por roupas variaram muito. Eu sempre gostei do que era diferente, sempre tive um senso artístico pro jeito de me vestir e nunca liguei um pingo de i pro que as pessoas iam pensar ou deixar de pensar. Mas depois de um certo tempo eu passei a sofrer um pouco de repressão a respeito do que vestir ou não, e o motivo?
-"Tenho medo que te agridam na rua se você sair assim." (por que eu estava usando uma peruca de duas cores e poderiam pensar que eu era uma lésbica alternativa)
-"Você parecendo uma bonequinha assim, podem pensar maldade de você." (por que eu estava montada de gyaru)
-"Chama muita atenção de gente ruim." (saindo de sweet lolita)

Se eu estava ou não com um short curto e maquiagem carregada; se eu estava ou não parecendo uma boneca de porcelana; se eu fosse ou não uma homossexual com estilo alternativo; desde quando isso daria o direito a alguém de encostar em mim?

Saindo da faculdade pra comprar suco no posto esses dias passei por experiências engraçadas. Claro que não engraçadas pra mim, mas engraçadas pros caras do posto. Fui pra faculdade usando estilos alternativos por uma semana. Dois dias de Living Doll, um dia de Aomoji e um dia de Lolita (no quinto dia eu não fui à faculdade por que tive um compromisso). No primeiro dia de Living Doll, ouvi comentários maldosos a respeito das "tatuagens nas pernas" (que na verdade eram meias transparentes desenhadas). No segundo dia, usando Aomoji, fui ao posto e ouvi gracinhas a respeito "da esquisita de cabelo colorido". No terceiro dia, voltando ao Living Doll, não fui ao posto. No quarto dia, de Lolita, ouvi comentários a respeito da minha "falta de noção", "incapacidade de me encaixar nos gostos dos rapazes"; fui julgada por estar vestida demais. Ontem voltei ao posto usando shorts, regata e creepers, ouvi severos elogios a respeito da minha bunda e cintura. Como se eu não fosse a mesma "esquisita" vestida de boneca. Durante todas as experiências citadas, uma colega de curso que segue um estilo um tanto sexy e vintage, foi verbalmente assediada inúmeras vezes por conta de seus dotes.

Com isso concluí que nenhuma de nós mulheres se veste de maneira x ou y por que gosta de se vestir assim e se sente bem. Nos vestimos para agradar o sexo oposto e apenas isso. Não temos gostos pessoais, história ou passamos por experiências na vida que alteram nossa forma de nos vestir. Nada disso. Nos vestimos para agradar ao bom gosto dos homens. Na rua, eu não tenho nome. Não me chamam de Camila, nem de Malice. Na rua eu passo a ser "bonequinha", "gostosa" ou "esquisita", dependendo de como estou vestida. Às vezes "barbie", ou "emília", ou mesmo "vadia" quando retruco e xingo o bom homem que teve a delicadeza de me elogiar na rua.

Não quero, de maneira alguma, ser melhor do que ninguém. Amo os homens da minha vida. Meu pai que é meu melhor amigo, meus irmãos mais velhos que sempre cuidaram tão bem de mim, e por mais irritantes que fossem sempre me trataram como igual (inclusive me metendo em seus "programas de menino" como videogames e animes "de menino", que ajudaram a moldar quem eu sou hoje). Eu só quero meu direito de ser igual da porta pra fora também. De não me resumir a ser Camila, ou Malice Loly, ou qualquer porra que eu queira ser, somente dentro de casa.

Não pago de inocente. Sei quem sou e de onde vim. Não quero ser uma boa esposa ou boa mãe ou boa dona de casa. Quero ser livre.

O feminismo não é só pra mim. Não é só pra quem nasceu com uma vagina. É pra todas as pessoas que, assim como eu, sofrem pressão por não se encaixarem aos padrões do machismo. É pra quem é trans, é pra quem é gay, é pra quem vive subjulgado pelos "homens com H maiúsculo". É pra quem foi estuprado e pra quem não foi também. E foda-se se a mesma mulher que disse "não quero se estuprada" é a que fica de fogo pra cima de um homem bonito que aparece na rede. Por causa dela você vai menosprezar todas as mulheres e dizer que nenhuma delas tem direito de se manifestar contra a cultura de culpabilizar vitimas de estupro?

Eu jamais tiraria uma foto minha semi nua pra "protestar", por que eu não gosto mesmo. Não tenho vergonha do meu corpo. Não tenho intenção de agradar ninguém com meus atos. Mas justamente por querer "liberdade" eu escolho não mostrar meu corpo dessa forma.

Ninguém nasceu pra agradar ninguém.